sexta-feira, 24 de dezembro de 2010
Obrigado ciganos
Quando eu os via espalhados próximo ao rio, agrupados em barracas feitas de lona, com suas roupas coloridas e seus dentes dourados, a curiosidade escalava minha mente e gritava do alto dela: – O que são eles?
Eram tão diferentes de mim e de todos aqueles que eu conhecia.
Lembro-me de estranhar até mesmo o cheiro que impregnava o acampamento onde viviam. Pensava que eram de outro mundo.
Mas em um destes dias em que um filho tem a alegria de passear ao lado de quem tanto ama, os avistei novamente e não segurei a pergunta que tanto pedia para voar até os ouvidos de minha mãe.
Parei meus pés pequenos, olhei naqueles olhos de amor e disse: – Mãe, o que são eles?
A resposta foi breve, porém satisfatória. Naquela tarde passei a chamá-los de CIGANOS.
Como se algo no universo soubesse que eu havia recebido aquela informação, comecei a esbarrar com pessoas bem informadas sobre os tais ciganos, inclusive um bom amigo da então terceira série que juntos cursávamos.
Conversamos como adultos e exploramos o assunto à exaustão.
- Eles podem ler o futuro olhando nossas mãos? Indaguei intrigado e assustado.
- Sim, minha mãe disse que eles conseguem enxergar o futuro olhando nossas mãos! Confirmou meu amigo, com olhos arregalados e voz sussurrada. Foi um papo incrível.
No entanto, não acreditei nisso por muito tempo. Ainda no mesmo ano parei de me esconder toda vez que alguma Cigana cruzava o meu caminho.
Hoje. Depois de tantas estações, penso que posso aprender algo com este povo nômade e quase estrangeiro.
Continuo não acreditando que os olhos mágicos de uma mulher das barracas de lona possam ler meu futuro enquanto decifram as linhas de minha mão. Porém, admiro o quanto eles relacionam as mãos com nossa história, com a nossa vida.
Por alguma razão, que não pesquisei, eles crêem que as mãos contam histórias do amanhã. Eu – porém – acredito que as mãos contam histórias de ontem e narram os sentimentos do hoje.
Lembro-me dos poucos calos que sentia enquanto minha avó acariciava meu rosto. Suas mãos me confidenciavam o quanto trabalharam e lutaram na vida. Eram mãos tagarelas. Conheciam mil grandes episódios sobre aquela que me embalava em seu colo e não guardavam segredos. Era tão bom ouvir as mãos da minha querida avó!
Quando ela morreu fui consoladamente abraçado. Enquanto eu chorava, ouvia palavras carinhosas de gente que não imaginava o que eu sentia, mas que estava disposta a sentir tudo aquilo comigo. Não podiam me curar, mas desejavam levar sobre eles um pouco da minha dor.
Recordo-me quando alguém segurou minhas mãos.
Senti meu coração desistir de correr para minha boca e se derramar em palavras confusas e incompletas, como até aquele momento incansavelmente fazia. Ele passou a pulsar nas mãos. Era ali que ele chorava, pedia, gritava e sofria. Minhas mãos foram escolhidas para desabafar a agonia que percorria todo o meu ser e através delas eu pude experimentar o alívio de partilhar com alguém cada sentimento ferido.
Naquele instante eu sabia que através das minhas mãos alguém estava lendo meu coração e descobrindo um pouco de como eu realmente me sentia naquele “hoje” cinzento.
Não somos Ciganos. Não cremos que as mãos podem antecipar os caminhos que ainda virão. Mas somos Humanos. Podemos crer que as mãos estão prontas para cantar as melodias tristes e os acordes felizes de um ontem que não volta. Assim como estão dispostas a confessar nossos pesares e conquistas no hoje.
Enquanto escrevia aqui, lembrei-me que a bíblia já falou sobre isto, e muito bem.
Quando o Senhor desejou fazer a nação de Israel entender o quanto era amada e cuidada por Ele, deixou uma mensagem escrita em Suas mãos. Nelas ele gravou o nosso valor.
Quem não lê as mãos de Deus não tem a alegria de descobrir que nelas estão escritos os nossos nomes.
Eis que nas palmas das minhas mãos eu te gravei; os teus muros estão continuamente diante de mim. Isaías 49:16
Não despreze as mãos que se aproximam. Segure-as e esteja preparado para ler histórias e conhecer corações.
Thiago Grulha
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